segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Os Laços da fraternidade!

Por R. C. Sproul

Fraternidade... o que significa? Pode referir-se a diversos tipos diferentes de associações ou relacionamentos, e a igreja pode aprender lições valiosas explorando esta palavra com maior profundidade. O termo fraternidade pode nos levar a pensar no lema da Revolução Francesa: "Liberdade, Fraternidade, Igualdade". A fraternidade, junto com a igualdade e a liberdade, foi colocada no topo das ideias dessa revolução. O termo pode nos levar a pensar nos grupos dos campi universitários como os que são descritos no filme sobre a fraternidade radical "Animal House". Além do nível universitário, há uma grande variedade de organizações de homens neste mundo que são "ordens fraternais", tais como os Elks, grupos policiais e diversos outros clubes de serviços públicos.

A idéia da fraternidade também se manifesta no campo dos esportes competitivos, particularmente no que se refere às equipes. A expressão "There is no T em team" é um chavão porque é verdade. Para que as equipes funcionem de maneira eficiente e efetiva, tem de haver fraternidade e espírito de equipe. Repetidas vezes ficamos sabendo de jogadoressuperstars no reino esportivo profissional que são afastados por seus clubes porque criaram uma atmosfera destrutiva nos vestiários.

Nenhuma equipe pode funcionar bem se baseando apenas na força de um único indivíduo. No basquete, por exemplo, os jogadores que são donos da bola destroem o espírito da equipe. Se a bola for passada para um dono da bola, com toda probabilidade ele não vai passá-la para um companheiro, mas muito provavelmente vai dar um passe errado. No futebol americano, um golpe da ofensiva envolve bloqueio, corrida, passe, falta e outras dimensões do esporte. O negócio todo é uma orquestração de diversos elementos. Até o beisebol opera com base em uma harmonia dentro da equipe. Babe Ruth jamais ganhou sozinha.

Ironicamente, quando examinamos a área do atletismo, vemos que a idéia da fraternidade não existe apenas nos esportes de equipe, mas também no contexto dos esportes individuais. Talvez o exemplo supremo de um esporte individual seja o pugilismo. É mano a mano, um homem contra outro. Não existe equipe no ringue do pugilismo. O pugilista permanece sozinho diante do seu oponente com o sistema de apoio no canto. No ringue — o campo de batalha — ele tem de lutar sozinho, o drama de uma luta entre dois oponentes iguais, ambos se esforçando ao máximo para derrubar o outro ou fazendo o que puderem para ganhar a luta ou obter pontos. E, assim mesmo, quando o gongo soa, com freqüência vemos os dois gladiadores se abraçando no centro do ringue com um óbvio senso de afeto. Por que fazem isso? Porque o lutador é treinado em seu esporte individual não apenas para competir com o seu oponente, mas também para respeitá-lo. Quando está envolvido em uma luta que o testa até o máximo, sai exaurido, abatido, talvez até derrotado, mas assim mesmo ainda possuindo enorme respeito pelo seu oponente. Há uma espécie de comunhão, uma espécie de fraternidade, que apenas gladiadores individuais como esses homens conseguem entender.

O mesmo acontece no golfe, mesmo quando muitas competições testam a habilidade individual. De vez em quando, os jogadores de golfe se juntam em equipes, e não há entre eles um sentimento de que fazem parte de uma fraternidade que seja mais importante que as outras em suas realizações individuais.

Mas não existe uma fraternidade tão importante ou tão significativa quanto a igreja e a comunhão dos santos. Obviamente, a igreja não é uma organização exclusiva de homens, talvez por isso possamos falar da igreja como fraternidade ou irmandade. Mas de qualquer forma, a ideia de participação em equipe está claramente presente. Não existe uma coisa tal como a igreja de uma só pessoa.

Certamente não somos salvos ou justificados pela fé de nossas famílias, amigos ou companheiros. De certo modo, a redenção é uma questão intensamente individual. Mas, quando somos justificados, quando estamos na condição de salvos, somos imediatamente colocados em um grupo. Somos imediatamente colocados na igreja.

A igreja existe como uma pessoa jurídica. Há uma solidariedade corporativa que define a identidade da igreja do Novo Testamento. Não existe lugar para individualismo grosseiro. Ninguém recebeu todos os dons do Espírito Santo; ninguém tem oportunidade de "monopolizar" o ministério.

O que precisamos na igreja é de uma espécie de relacionamento familiar que é uma fraternidade e uma irmandade. Pode ser aprendida em parte fora da igreja em outras atividades, tais como o mundo dos esportes ou até mesmo no campo de batalha. Mas o mais profundo entretecimento de seres humanos para uma causa comum, uma fé comum, e um Senhor comum existe na igreja de Jesus Cristo.


Fonte: editorafiel.com.br
Traduzido por: Yolanda Mirdsa Krievin
Copyright: © Ligonier Ministries / Tabletalk Magazine
© Editora FIEL 2011.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Como ser um fracasso como pai


O exemplo da família de Davi nos ajuda a avaliarmos quais elementos podem ser evitados dentro de nossos lares a fim de que não venhamos a experimentar tragédias como as que aconteceram na casa do mais famoso rei de Israel. Mesmo sendo um homem segundo o coração de Deus, isso não garantiu a Davi o sucesso como um bom pai de família. Ele era um homem espiritual, temente a Deus, compôs lindas canções de louvor, mas faltaram-lhe alguns quesitos para ter uma família harmoniosa e saudável.

Quais foram os ingredientes da composição desastrosa dentro do lar de Davi e quais são as coisas que você pode fazer para provocar a ruína de seu núcleo familiar? Caso você já esteja praticando alguma destas coisas, acenda o sinal amarelo e busque agentes corretivos para evitar a mesma experiência de Davi com Absalão – sair chorando e lamentando pelos corredores do palácio a perda do filho amado.

Em primeiro lugar, para ser um fracasso como pai, gaste tempo demasiado procurando sua realização profissional. Davi tinha um reino para administrar e muitas batalhas para realizar. Isso fez com que ele não tivesse tempo para dedicar aos filhos. Muitos pais acreditam que a prioridade em suas vidas é estabelecer-se profissionalmente para ter rendimentos suficientes e prover ‘conforto’ para o futuro dos filhos. Assim, dedicam muitas horas ao trabalho e acabam tendo pouca disponibilidade para eles.

No afã de buscarem uma provisão para o futuro, esquecem o presente. Na ilusão de deixar muitos bens para os filhos desfrutarem, não lhes oferecem o bem maior que é a sua presença e afeto diários.

Para ter uma família como a de Davi, como todo bom ‘rei’, use TODO o seu tempo livre para investir em você, afinal, como é afirmado em todo o tempo na mídia: você merece! Primeiro gaste seu tempo se atualizando. Hoje em dia uma pessoa desinformada é um cidadão de segunda categoria. Jamais deixe de assistir um noticiário na televisão, assim você será um sujeito que jamais ficará de fora de qualquer assunto em uma roda de conversas, exceto quando a conversa for com seu próprio filho. Sem assuntos em comum, com certeza o abismo relacional entre vocês ampliará rapidamente.

E não deixe passar nenhuma oportunidade de fazer cursos e ficar horas no computador visitando páginas que contém informações preciosas para seu crescimento profissional – mesmo à custa de só estar com os filhos nos domingos. Com certeza alguém dirá a você: mas um domingo todo já não é o suficiente?

Também é perfeitamente compreensível que, tendo aulas de idiomas, academia, cursos de especialização e ainda todas as tarefas de seu trabalho diário, no domingo você queira descansar desta semana tão intensa, afinal ninguém é de ferro. Se você ficar irritado com os filhos correndo pela casa e fazendo barulho e pedindo o tempo todo para você brincar com eles, essa irritação é compreensível, pois é resultado de seu cansaço. Nunca esqueça que a intenção última de todo esse cansaço é ser bem sucedido para proporcionar o ‘melhor’ para a família. Então, nestes momentos de irritabilidade, o melhor a se fazer é dizer para a esposa ir passear com as crianças no shopping. Se eles forem adolescentes, melhor: podem ir sozinhos ou com os amigos. Você então terá seu merecido tempo para o descanso diante da tela do computador ou assistindo ao jogo de seu time preferido. O seu merecido descanso ajuda a pagar os modelos errados pregados na mídia que um dia seu filho poderá querer imitar – afinal, ele não vai querer imitar um pai que trabalha muito, tem pouco dinheiro (se comparado a estes ‘ídolos’), que está sempre cansado e nunca tem disposição de fazer nada com os filhos.

Não se preocupe em ajudar seus filhos a desenvolverem boas amizades. Deixe isso por conta e risco dele. Se eles se envolverem com maus conselheiros, paciência, pois terão que arcar com as conseqüências. E a melhor forma de você fazer isso é você mesmo não ter amigos. Procure viver uma vida isolada socialmente, afinal, os outros só atrapalham mesmo. Se você tiver uma boa rede social, especialmente com amigos de caráter, que tenham valores de vida muito similares aos seus e também tiverem filhos na mesma idade, provavelmente seus filhos irão desenvolver amizades com os filhos de seus amigos e conviverão com pessoas e famílias que tem bons valores de vida, não se metendo facilmente em encrencas ‘por influência dos amigos’.

Jamais reprima os desejos de seus filhos. É preciso dar aos filhos TUDO o que você não teve na infância e adolescência, seja em bens materiais ou em liberdades. Agindo assim, você evitará ‘traumatizar’ seus filhos, exceto, logicamente, quando eles começarem a impor certas condutas e liberdades que você julga erradas e você entrar em discussões fervorosas, que terminam em gritos e até agressões físicas.

Dizem alguns ‘experts’ que você jamais deve impor seus valores a seus filhos, mas deixá-los escolher livremente os valores que eles queiram adotar para a vida – isso sim é a ‘verdadeira liberdade’. Logo, além de não forçar seu filho ir à igreja, também nunca conte histórias da Bíblia para ele, nem realize momentos de devocionais em família. Tampouco fale para eles de suas experiências pessoais com Deus e dos muitos pequenos milagres que Ele já realizou em sua vida, pois isso com certeza influenciaria na sua ‘livre escolha’.

Também não deixe claro aos filhos quais são os seus valores sobre sexualidade, afinal tudo que eles precisam aprender sobre esse tema já está na internet e nas cartilhas ‘muito bem elaboradas e nada tendenciosas’ que ele recebe na escola, feitas com muito critério pelo governo. Ou por acaso você acha que seus valores podem ser comparados aos tecnocratas de um Ministério da Educação?

Outro elemento muito importante para a desgraça familiar, que foi amplamente utilizado por Davi, é o silêncio. Evite dialogar com seus filhos e cônjuge, pois a conversa deles pode ser muito aborrecida. Profundas são as conversas com os amigos em uma mesa de bar! Logo, nunca converse com eles nem demonstre emoções positivas na frente deles. Emocionar-se é para os fracos e você precisa ser forte em seu reino pessoal. Apenas demonstre emoções na hora da raiva: faça valer seu porte físico e seu potente timbre de voz para gritar e intimidar os filhos, pois os gritos, com toda certeza, vão ajudá-los a ouvirvocê melhor. E se os gritos não funcionarem, sempre se pode recorrer à força física – claro, sem espancamentos porque não é politicamente correto e você pode até ser denunciado por isso, mas uns cascudos e tapas, especialmente se os filhos já forem adolescentes. Infalivelmente isso gerará amargura no coração deles, que se sentirão agredidos, e levará seus corações para bem longe do seu coração. E lembre-se: ao disciplinar seus filhos, evite todo e qualquer contato visual, pois os olhos são a janela da alma e se você olhar bem fundo nos olhos deles, talvez veja apenas uma criança ou adolescente ingênuo que precisa aprender a lidar de forma saudável com o meio, e não o monstro que precisa ser domado com gritos e bofetões.

Bem, esses são apenas ALGUNS ingredientes necessários para a desgraça familiar. Espero que as linhas acima sirvam de alerta para uma reflexão profunda sobre o desenvolvimento de um
relacionamento saudável entre pais e filhos.

Fonte: ultimato.com

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Se Deus é bom, por que existe o mal?


Por Luiz Sayão

Talves você já ouviu falar do “Problema do Mal”. A expressão se refere à mais difícil pergunta da história da teologia cristã: Se Deus é onipotente e bondade, por que ele permite a existência do mal e do sofrimento? Afinal, o que quer a expressão "Problema do Mal"? Antes de tudo, é importante reconhecermos que o mal não é necessariamente um problema no sentido filosófico do termo. O conceito de problema pode ser invertido aqui. Por exemplo, uma perspectiva pessimista e ateísta que afirma a realidade do mal como experiência básica da realidade e nega o divino e o bem, teria de enfrentar o “problema do bem”. Explicando melhor: “se o universo não tem propósito e é absurdo (como sugerem alguns existencialistas ateus, por exemplo), como explicar a experiência do belo, do inefável e do prazer”? Não seria esse um grande problema filosófico? Como disse o famoso biblista autraliano Francis I. Andersen: "A rigor, a desgraça humana, ou o mal em todas as suas formas, é um problema somente para a pessoa que crê num Deus único, onipotente e todo amoroso". Isso significa que outras religiões e filosofia não enfrentam um dilema, no sentido de terem de explicar a existência do mal. Mesmo assim, o mal ainda permanece um problema para todos os sistemas de pensamento por causa da questão do sofrimento.

A tentativa cristã de lidar com esse tripé "Deus todo-poderoso", "Deus todo-amoroso" e "existência do mal", mostrando que a despeito do mal, Deus continua justo, bom e poderoso foi historicamente denominada Teodicéia. A palavra foi cunhada em 1710 pelo filósofo alemão Gottfried Leibnitz (1646-1716). Seu sentido é "justificação de Deus" (do grego theós "Deus" e dikê "justiça"). A dificuldade do problema foi bem definida pelo filósofo escocês David Hume (1711-1776) numa retomada do antigo filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.). Conforme escreveu David Hume: “As antigas perguntas de Epicuro permanecem sem resposta. Quer ele (Deus) impedir o mal, mas não é capaz de fazê-lo? Então ele é impotente (i.e, não é onipotente). Pode ele fazê-lo, mas não o deseja? Então ele é malévolo. Não é ele tanto poderoso como o deseja fazê-lo? De onde, pois, procede o mal?

O problema do mal também é discutido e compartilhado pelo judaísmo e islamismo. A importância da discussão na tradição judaica foi expressa por Nachmânides quando se referiu ao problema do mal como “a questão mais difícil que se encontra tanto na raiz da fé quanto da apostasia, com a qual estudiosos de todas as épocas, povos e línguas têm lutado”.

Historicamente, na tentativa de construir-se essa explicação que procura manter a justiça de Deus diante do mal, vários tipos básicos de teodicéia foram elaborados. Os principais tipos respondem ao problema assim:


A Teoria do Livre-arbítrio

É a posição clássica das religiões monoteístas. Ela afirma que Deus permite o mal e o utiliza para fins bons. Deus permite o mal para produzir um bem maior. Nunca foi elaborada solução mais razoável e esperançosa do que a judaico-cristã. Para explicar a origem do mal, afirma-se que o mal sempre seria uma possibilidade, visto que Deus criou seres dotados de vontade livre. E para que fossem de fato livres, e não máquinas, tais seres sempre teriam a possibilidade de optar contra a vontade de Deus, dando assim origem ao mal. Portanto, a única saída para a impossibilidade plena do mal seria a inexistência de seres pessoais livres, o que nos daria um universo mecanicista, composto de seres impessoais, destituídos de arbítrio. Os defensores dessa posição ainda argumentam que Deus apenas permite o mal, o que é diferente de ser autor direto do mal, por razões e finalidades boas que não compreendemos plenamente agora. Evidentemente, a força desses argumentos depende de suas pressuposições. O argumento teísta clássico afirma que o mal pode ter início no bem, embora isto nunca seja de modo essencial. Não há derivação essencial do bem para o mal. Isso é compreensível, pois segundo o teísmo clássico o mal não existe enquanto substância, conforme mostrou Agostinho, ou seja, o mal não possui existência plena. É como a ferrugem que atinge o ferro. Não existe um ferro totalmente enferrujado, pois esse deixaria de existir. Assim como a ferrugem existe em função do ferro como elemento parasita e destruidor, também o mal só existe em função do bem.

A Teoria Pedagógica

Numa teodicéia pedagógica o enfoque é deslocado da origem do mal e é colocado principalmente nos possíveis bons resultados da experiência do sofrimento. A idéia é que a experiência do sofrimento (mal) é um benefício indispensável para o desenvolvimento das capacidades humanas, do contrário a humanidade permaneceria eternamente na infância. Argumenta-se, por exemplo, que um pouco de sofrimento aumenta a nossa própria satisfação com a vida e que um sofrimento maior e mais intenso desenvolve em nós uma maior profundidade de caráter e de compaixão. Além disso esta posição enfatiza a realidade de que vivemos em um mundo regulado por leis naturais e que boa parte do mal existente no mundo decorre da atuação destas leis. Deveria Deus ter criado um mundo desprovido de ordem natural para satisfazer a vontade de cada um? Isso seria bom? Todavia, há duas grandes dificuldades aqui: 1) nem sempre o sofrimento produz maturidade e aprendizado. Muitas vezes o que fica é ódio e amargura; 2) em alguns casos não há muito o que aprender e o preço pago é muito alto. Quando milhares de pessoas morrem em uma guerra, devemos perguntar: que tipo de pedagogia é essa que mata seus próprios alunos?

A Teoria Escatológica

Uma teodicéia escatológica diz que há esperança para o problema, pois ela está baseada na convicção de que a vida transcende a morte e que justiça e injustiça receberão sua devida recompensa. As perspectivas variam desde uma esperança entre o inaugurar de uma nova história humana por meio da ressurreição ou ainda como uma vida em um reino celestial após a morte. O futuro tem a resposta e a solução do que acontece no presente. Apesar de essa ser uma das esperanças mais enfatizadas pelas religiões monoteístas, muitos descartam esta possibilidade e questionam que tipo de reparação pode haver pela desgraça atual. Alguém que teve sua família arruinada e assassinada repentinamente pode de fato ter tal sofrimento “reparado”? Será possível isso?

A Teoria da Teodicéia Protelada

É uma postura de expectativa e fé em Deus a despeito do mal. A fé na soberania e bondade finais de Deus espera a compreensão de todas as questões. A diferença entre essa teodicéia e a teodicéia escatológica é a seguinte: na teodicéia protelada espera-se mais uma compreensão do que uma compensação final do mal. Argumenta-se que as limitações humanas e a tremenda distância que separa Deus do homem não nos permitem conhecer as razões da permissão do mal agora. Deve-se destacar ainda que tal posição também é diferente da idéia que sugere ser impossível avaliar o comportamento de Deus.

A Teoria da Teodicéia de Comunhão

Para muitos, a experiência do sofrimento leva o homem a encontrar motivos para romper com o divino. Essa é, por exemplo, a fonte do ateísmo, do agnosticismo e do antagonismo religioso. A Teodicéia de Comunhão enfatiza que Deus é principalmente percebido e conhecido no sofrimento. O Deus verdadeiro é aquele que se compadece. É o Deus que sofre com suas criaturas e que, de certa forma, é vítima do mal, juntamente com elas. Esta teodicéia não explica o sofrimento imerecido. Todavia, transforma a visão sobre o sofrimento, pois o sofrer por um propósito justo é fazer a vontade de Deus e torná-lo conhecido. O sofrimento é a grande oportunidade para Deus e o homem entrarem em comunhão e colaboração. O sofrimento é transcendido e aquilo que parecia ser o pior é visto como a ocasião da mais intensa experiência religiosa.

A Rejeição da Resposta Cristã

No panorama da história, muitas correntes de pensamento apresentaram soluções alternativas para o problema, sem a intenção de justificar a Deus. Vamos apresentar um resumo daquelas posições filosóficas que tratam o problema do mal com um enfoque distinto do teísmo ou da teodicéia. As diversas propostas de resolução das relações entre o divino e o mal serão delineadas, destacando os seus principais representantes.

Alguns Negam a Existência do Mal

O Mal é visto como ilusão. Essa perspectiva é encontrada em conceitos monistas e panteístas. A tensão entre Deus e o mal é resolvida pela negação do mal. A cosmovisão hindu (ensinos Vedanta), Zenão (336-274 a.C.) e Spinoza (1632-1677) são exemplos desta perspectiva. Spinoza, por exemplo, chega a afirmar que o mundo parece cheio de mal apenas porque é visto de uma perspectiva humana estreita e errônea. Da perspectiva divina, porém, o mundo forma um todo necessário e perfeito. A dificuldade dessa posição é provar que os sentidos não merecem confiança alguma, visto que eles apontam para a realidade objetiva do mal. Além disso, os defensores dessa perspectiva precisam responder por que tal "ilusão" é tão comum e se mostra persistente na história humana? Que conhecimentos nos levam a tal conclusão? Seria tal conclusão uma ilusão também?

Alguns Negam a Existência de Deus

Essa é a perspectiva do ateísmo. É a negação da realidade de Deus. Os ateus opõem-se diretamente aos “ilusionistas”. Afirmam a realidade do mal com base nos sentidos e negam a realidade de Deus, cuja existência é incompatível com o mal. O pensamento ateísta sistematizado desenvolveu-se nos últimos dois séculos de história da filosofia ocidental, fruto do racionalismo. Os principais argumentos ateístas são: 1) Deus e o mal são mutuamente excludentes: se o mal existe, logo Deus não pode existir; 2) Se Deus existisse, ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de bondade por permitir o mal; 3) Se Deus existisse ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de poder visto que permite o mal.

Essa perspectiva é encontrada no budismo que pressupõe uma alienação entre o homem e o universo. O universo é impessoal e opera por causa e efeito. Não existe a figura de Deus, o sofrimento decorre da vontade humana e a sua solução se dá de maneira individual e existencial. Por isso o budista anseia pelo estado impessoal no nirvana. Esse pessimismo também encontra exemplos no pensamento grego clássico. Hegesias de Cirenaica ensinava ser a vida sem valor e que o único bem, que nunca seria alcançado, seria o prazer. Todavia esse pessimismo não marca o pensamento helênico propriamente dito que, de modo geral, acreditava na vitória sobre o mal por meio da virtude e da sabedoria.

É no pensamento europeu contemporâneo que encontraremos um exemplos dessa posição: Arthur Schopenhauer (1788-1860). Há também filósofos existencialistas ateus que enfatizam o absurdo da realidade, vendo o homem como um ser sem saída. Os principais são Jean Paul Sartre (1905-1980) e Albert Camus (1913-1960), famoso por sua obra “A Peste”.Schopenhauer cria que a realidade última é a cega vontade irracional de viver que a todos impulsiona. Tal vontade transcendental é essencialmente má, particularmente pelo fato de haver criado o nosso corpo com desejos que não podem ser satisfeitos. O sofrimento é causado pelo desejo incessante que nunca pode ser plenamente atendido. A dor e a ilusão são inevitáveis. A maior tragédia humana é o fato de ter o homem nascido.

Entre o pensamento judaico-cristão e as alegações ateístas têm surgido propostas problemáticas e incompletes que merecem ser mencionadas.

1. Negação da bondade de Deus. Deus pode ser poderoso, mas é visto como mau e comprometido com a desgraça e o sofrimento.

2. Negação do poder de intervenção de Deus. O bem não tem poder infinito sobre o mal. Essa é a posição deísta, da teologia do processo e do teísmo aberto. Fundamenta-se na realidade da persistência do mal. O bem parece não ter poder para destruí-lo.

3. Negação do poder original de Deus. Deus foi obrigado a criar um mundo mau. Deus, sendo limitado, tinha necessidade de criar um mundo e não pode impedir que este fosse mau.

4. Negação da onisciência divina. Deus não podia prever o mal. Deus é criador, e justo, mas não é plenamente onisciente.

5. Negação da imanência divina. Deus não pode ser avaliado pelos nossos padrões morais. Desse modo não é necessário defender sua conduta. Suas ações estão numa esfera de atuação que não podemos julgar.

A verdade é que o Problema do Mal permanece como a questão mais difícil da história da teologia. As outras tentativas de resolve-lo parecem apenas tê-lo complicado ainda mais. A esperança cristã continua afirmando uma mistura das teodicéias aqui apresentadas. Mas a sua essência ecoa por toda a história: Deus permite o mal e o utiliza para fins bons, e Deus permite o mal para produzir um bem maior. Por isso, vivemos pela fé e sempre na esperança.

Luiz Sayão

Fonte: prazerdapalavra.com